Falar é fácil...

[...] Confesso que a fábula "Reunião Geral dos Ratos" (ou Assembléia dos Ratos) é uma de minhas favoritas. Acho a moral tão simples mas tão aplicável à vida cotidiana. Quantos de nós não passamos por uma situação que parecia tão fácil de ser resolvida em teoria, porém, a solução estava bem fora de nosso alcance?
    É isso que acontece com os pobres ratos que têm a sua paz atormentada por conta de um terrível e assombroso gato preto.
    Esqueci de dizer que em minhas adaptações de fábulas, os nomes que utilizei para os personagens foram nomes de alunos do meu 2º ano (à exceção da "Lebre e a Tartaruga", que ainda não foi postado). 
    Como sempre meus pequenos são minha maior inspiração para a escrita e, quando escrevo, tento brincar com as características dos personagens envolvendo e adicionando características dos meus alunos.

[...]

Reunião geral dos ratos
(fábula adaptada por Helder Guastti)


          A casa de dois andares era conhecida pelas festas que abrigava. Mas isso é passado. Hoje, após muitos anos de existência, a casa, governada por uma velha senhora de longos e frágeis cabelos brancos, também era habitada por uma enorme família de ratos amarronzados.
          O rato Iago era o caçula da família. Sapeca, serelepe e muito arteiro, era o xodó de todos os ratos.
          Eles viviam muito bem, comendo os restos de comida da velha senhora e, de vez em quando, pegando pedacinhos de queijo da padaria que ficava ao lado da casa. Porém, numa tarde cinzenta, quando as nuvens escuras cobriam o sol, a paz dos ratos foi estremecida.
          A velha senhora, cansada de viver solitária na casa de dois andares, adotou um grande e peludo gato preto chamado Heitor.
          Os ratinhos enlouqueceram! Seus dias que eram tranquilos, com fartura de comida e queijo, tornaram-se aterrorizantes! Heitor perseguia-os por todos os lados. Era só um ratinho colocar as fuças para fora do buraco da parede, que lá vinha o gato preto (agora chamado de Heitor, o terror) e colocava os ratos para correr.
          Quem mais sofria nessa história toda era o rato Iago que adorava correr por todos os cantos, subir na chaminé e descer pelas escadas. Ele estava farto dessa situação e resolveu tomar providências para solucionar o problema chamado Heitor, o terror.
          O rato Iago, enquanto jantava com seus pais e seus sete irmãos, teve uma ideia brilhante! Após muito pensar durante a noite inteira dentro do sapato velho que usava como cama, ele resolveu convocar uma reunião geral dos ratos.
          No dia seguinte, depois de informar todos os ratos, o que levou umas três horas porque a todo o momento ele precisava fugir de Heitor, o terror; o rato Iago chegou até o local da reunião. Todos os ratos já se encontravam ali, cochichando e especulando sobre o motivo daquela reunião.
          Subindo numa caixinha de fósforos, o rato Iago coçou os bigodes e levantou a voz para se fazer ouvir:
          - Senhoras e senhores! Ratinhos e ratões! Não podemos mais suportar essa situação! Nossa paz chegou ao fim e é tudo culpa daquele asqueroso, maldito, horrível e feioso Heitor, o terror! Por isso vos digo: basta! Xô Heitor! Abaixo o terror!
          A reunião geral dos ratos foi tomada por um falatório tremendo. Eles se empolgaram e começaram a se animar com o discurso do rato Iago. Do meio do público alguém gritou:
          - Mas o que podemos fazer?! Heitor, o terror, é enorme e pode nos devorar numa bocada!
          - Pois eu tenho a solução! – gritou o rato Iago cheio de si – É só colocarmos um daqueles guizos que estão no porão juntos aos enfeites de natal no pescoço do maldito gato. Assim, toda vez que ele se aproximar, saberemos de sua chegada.
          Os ratos ficaram eufóricos! Agora sim eles viveriam em paz novamente. Em meio aos burburinhos de alegria, o velho rato Denton, que já estava com os bigodes brancos devido a sua idade avançada, aproximou-se da caixinha de fósforos onde estava o rato Iago e disse, se fazendo ouvir por todos, apesar de não ter elevado a voz:
          - Pobre criança do verão! Sua ideia pode até soar maravilhosa para ouvidos imaturos. Mas eu te pergunto: quem irá pendurar o guizo no pescoço da fera?
          Iago, o rato, sempre tão atrevido e falador, ficou sem palavras. Os olhos arregalados, o rabinho enrolado e a ideia de chegar perto de Heitor, o terror, assombrando sua mente.
          Todos os ratos abaixaram as cabeças, voltando com atenção redobrada à seus esconderijos, enquanto Heitor, o terror, estava à espreita.
         
          Moral: falar é fácil, o difícil é fazer.

Branca dos Mortos e os Sete Zumbis e Outros Contos Macabros

     [...] Há algum tempo que trabalho em escolas, lidando diretamente com crianças. Nessas "andanças pedagógicas" pude presenciar o desenvolvimento e execução de projetos maravilhosos.

     Como disse previamente, aqui trabalhamos o Projeto Narrativas Literárias e, deste projeto, há uma "vertente" que me encanta de maneira assombrosa! São os "Contos de Assombração".

     Sou completamente fascinado pelo mórbido e o grotesco, sinto uma familiaridade peculiar com histórias que envolvem monstros, entidades, morte e derivados.

     Porém, nos anos em que já vi esse projeto sendo desenvolvido, sinto que ele tem caído na mesmice, sempre sendo trabalhados os mesmos livros, mesmos contos e histórias. Portanto, quando soube que em uma das turmas que trabalho seria desenvolvido esse projeto me empolguei bastante.

     Apesar de não ser o professor regente da classe, me permiti liberar um pouco de minha excentricidade para histórias e contos, foi assim que "descobri" o livro "Branca dos Mortos e os Sete Zumbis e Outros Contos Macabros". 


     O livro é impecável! Mistura várias das características que eu amo e sinto serem necessárias para a construção de boas histórias. Personagens cativantes, riqueza em detalhes e reviravoltas surpreendentes. Há personagens por muitos conhecidos, porém, numa nova roupagem, levando aos extremos situações que, hoje, podem ser consideradas banais aos contos de fada. Contos como Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, João e Maria foram repaginadas pelo autor Fábio Yabu e são extremamente cativantes para quem lê, conta e ouve os contos. Meus alunos ficaram extasiados. Uma pena que não tivemos a oportunidade de finalizar a leitura de todos os contos do livro, mas, os que lemos juntos foram ricamente absorvidos e assimilados.

     Acho maravilhoso quando alguém se propõe a desconstruir as imagens, há tanto tempo já enraizadas em nossas mentes, de princesas fofinhas e sem sal (muitas provenientes dos filmes multicoloridos e cheios de mel e açúcar da Disney) e apresenta uma versão mais contemporânea e, por que não, às "avessas"?

     Vale ressaltar que nas versões originais de muitos contos clássicos as coisas não eram exatamente um mar de rosas como fomos incitados a crer; em Chapeuzinho Vermelho, na versão original de Charles Perrault, o lobo devora a avó e a menina; no original dos Irmãos Grimm de "A Branca de Neve" a madrasta tem um destino bem apropriado: fazem-na dançar até a morte, no casamento de Branca, calçando sapatos de ferro em brasa. Enfim, são inúmeras versões e várias adaptações...

    Os contos de assombração são uma ótima maneira de se trabalhar com os pequenos questões como medo, aflições, real e imaginário, dentre outras. Não há razão para sentirmos medo daquilo que não é palpável e, a partir do momento que desconstruímos questões como medo de fantasmas, lendas urbanas e afins, nos tornamos pessoas mais "sadias", mais bem resolvidas, sem coisas pequenas nos prendendo e nos deixando de aproveitar o "lado bom" da vida.

    Branca dos Mortos e os Sete Zumbis e Outros Contos Macabros é uma leitura deliciosa, com gosto de sangue, vingança, risadas e uma leve dose de horror.

     Post atualizado em 04/10/16: finalmente consegui trabalhar o livro completo! Este ano me desvinculei [contratualmente] da escola e me dedico apenas à escrita e divulgação dos meus livros e, também, à minhas aulas particulares.

     Passei basicamente um trimestre trabalhando o livro Branca dos Mortos e os Sete Zumbis com um de meus alunos... e o resultado foi MUITO melhor que o esperado!

     Os contos causaram um fascínio no pequeno e juntos desbravamos as florestas macabras que cercavam as histórias. Foi fascinante! O planejamento de minhas aulas de Língua Portuguesa durante o período da leitura do livro foi todo voltado para o trabalho com o mesmo e creio que, assim, conseguimos nos divertir muuuito mais durante a execução das tarefas.

     Para a leitura do conto Samarapunzel faz-se necessária realizar algumas adaptações durante a leitura, pois, há alguns momentos que, a meu ver, não são exatamente... infantis. Mas nada que com uma boa leitura prévia e preparo você não consiga "contornar". Como eu já havia lido o livro antes [umas duas vezes], o reli e realizei algumas modificações a fim de adequar o conto para a leitura com crianças.

     Para adultos e jovens, adolescentes e crianças, indico sem pensar duas vezes a leitura de Branca dos Mortos e os Sete Zumbis e outros contos macabros. O livro é excepcional e, a cada virar de página, você vai se deparando com um ou outro conhecido... e se surpreendendo a cada acontecimento!



Branca dos Mortos e os Sete Zumbis

Fábio Yabu
200 páginas
Editora Globo
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Os mentirosos podem falar a verdade que ninguém acredita

    
     [...] O que acontece quando um garoto fica entediado, sem ter o que fazer? Estevão resolve se divertir à custa daqueles que tanto haviam lhe ajudado. Porém, em meio a mentiras, risadas e brincadeiras, o garoto acaba tendo um destino inimaginável...

[...]

O garoto do “olha o lobo”
(fábula adaptada por Helder Guastti)

          Estevão era um garoto muito conhecido na aldeia em que vivia. Seus pais morreram num trágico acidente marítimo e ele ficou órfão, fato que causou grande comoção na população local, que se tornou bastante protetora e atenciosa para com Estevão; as pessoas davam-lhe roupas e preparavam refeições para o pequeno órfão.

          Os anos foram passando e o garoto se entediava cada vez mais facilmente. Após a morte de seus pais, Estevão ficou responsável pelo trato e pastoreio das ovelhas de sua pequena fazenda. Em seus dias ele constantemente pensava:

          - Oh céus! Não aguento mais esta fazenda e o barulho dessas malditas ovelhas! Bem que papai e mamãe podiam ter me deixado um barco de herança, aí eu partiria para bem longe daqui!

          Como não tinha nenhuma distração, além de pastorear as ovelhas, Estevão decidiu pregar uma peça na população da aldeia. Ele ia à cerca da fazenda e gritava a plenos pulmões:

          - Olha o lobo! Socorro, ai meu Deus! Olha o looobo!

          O povo entrou em desespero. Muitas pessoas correram até a fazenda... Apenas para encontrar o garoto rolando na grama e chorando de tanto rir.

          A pegadinha se repetiu e deu certo por vários dias. Sempre que ele gritava, o povo corria para a fazenda para socorrê-lo, sempre em vão.

          Até que numa tarde cinzenta, Estevão ouviu um gemido estridente vindo do curral, ele foi até a porta e presenciou uma cena horrível: um enorme lobo cinzento estava devorando suas pobres ovelhinhas!

          O garoto ficou louco! Correu até a cerca e gritou:

          - Olha o lobo! Gente, socorro, olha o lobo!

          O povo, que estava em sua maioria reunido na praça da aldeia jogando dominó, se entreolhou e fingiu que nada ouvia.

          Após devorar todas as ovelhas o grande lobo cinzento avistou sua sobremesa e, avançando graciosa e velozmente, saltou sobre Estevão que, em três mastigadas, encontrou-se com as ovelhas no estômago do lobo.

          Agora ele nunca mais ficaria entediado.



          Moral: os mentirosos podem falar a verdade que ninguém acredita.

As árvores e o machado

    Uma fábula não muito conhecida, mas tão interessante quanto todas aquelas consideradas clássicas, "As árvores e o machado" traz um viés de mesquinharia, certa ingenuidade e, como dizem as crianças, muito recalque por parte das árvores "nobres".

[...] 

As árvores e o machado
(fábula adaptada por Helder Guastti)

    Na floresta, assim como acontece nas cidades, também há intrigas e desavenças. As árvores mais antigas e robustas destratavam das mais novas e de galhos mais finos. Aquelas que possuem a dita "madeira de lei", sentem-se superiores e agem como se fossem as soberanas da floresta.
    Certo dia um lenhador de grande porte, com músculos avantajados, cabelos negros como o ébano e mãos enormes, calejadas devido os anos de uso constante do machado, foi à floresta e pediu às árvores que lhe dessem um cabo para seu machado que, num acidente cujo a relevância o lenhador preferiu omitir das árvores, acabou perdendo o antigo cabo.
    As árvores reuniram-se em conselho e, unanimemente, decidiram que não havia problema nenhum em atender ao pedido do lenhador, que parecia ser muito trabalhador.
    Decidiu-se que o freixo, considerada uma árvore banal e nada menos que comum por suas companheiras, daria o que fosse preciso para a restauração do machado.
    Porém, assim que teve seu pedido atendido, o lenhador brandiu seu machado recém restaurado, cuja lâmina brilhava faiscante e o cabo reluzia o finado freixo, atacando feito uma besta descontrolada. O massacre teve início. Começou decepando as mais velhas e robustas, fazendo a lenha com as madeiras de lei.
    Seguiu destruindo tudo o que via pela frente.
    O carvalho, percebendo tardiamente o massacre que assolava as companheiras, cutucou o cedro que abismado observava:
    - Como pudemos ser tão estúpidas?! Não deveríamos ter atendido essa maligna criatura e, ainda por cima, sacrificamos nosso pobre vizinho. Talvez, se tivéssemos pensado com sabedoria, ainda existiríamos durante décadas e mais décadas.
    Mal terminou de falar, a lâmina atingiu-o em cheio, derrubando-o e fazendo um som ensurdecedor.

    Moral: quem trai os amigos pode estar cavando a própria cova.


Chapeuzinho Adormecida no País das Maravilhas

Leitura no horário de recreio.

    Ao realizar minhas compras de livros e/ou fazer uma seleção para trabalhar com os pequenos, busco sempre por títulos que fujam do convencional, que saiam da mesmice dos contos de fadas (nada contra o comum, só quero mostrar mais para as crianças).

    Conheci o autor Flávio de Souza através do livro "Nove Chapeuzinhos" (traz nove versões da história de Chapeuzinho Vermelho, em tempos e espaços diversos) e foi amor à primeira leitura! Fiz algumas pesquisas à respeito dele e a cada nova informação e dado conhecido fui me encantando cada vez mais. Para mim ele é uma grande inspiração! Tem uma mente excepcionalmente criativa e uma maneira muito peculiar de escrever, é impossível uma criança (e adulto também!) não se envolver e maravilhar com suas histórias.

    O livro que finalizei hoje com meus alunos foi "Chapeuzinho Adormecida no País das Maravilhas". Como o horário de recreio é muito curto, nós dividimos a leitura em capítulos, adequando-os ao tempo que temos à nossa disposição. Lemos o livro inteiro em mais ou menos duas semanas.

    A história conta sobre uma menina que não conseguia dormir de jeito nenhum ( quem nunca passou por isso não é mesmo?... E ela, como toda criança sabida, decide tentar contar uma história para ela mesma, a fim de facilitar a chegada do sono e não incomodar os pais que já estavam dormindo. Mas, como é de se esperar, essa ideia não funciona, porque não há nada melhor do que ter alguém nos contando uma história incrível e fantástica. Ela decide chamar a mãe, mas quem aparece é o pai, de pijamas, meio sonolento e sem saber ao certo como contar uma história. E é a partir daí que a aventura começa!       

    O pai da menina mistura várias histórias e referências à contos de fadas numa história única e espetacular! Ao fim do livro a menina que estava ouvindo a história, os personagens e o leitor ficam maravilhados e extasiados com todas as aventuras experienciadas a cada virar de página!

    Considero esse livro fantástico e indico para quem trabalha com crianças, para quem tem filhos, sobrinhos e, também, para quem adora se divertir e se encantar com uma leitura gostosa e agradável.

    Fada, coelho, bruxa, sapo, príncipe, mágico, porquinhos, anões...Em "Chapeuzinho Adormecida no País das Maravilhas" você encontra de tudo um pouco, principalmente diversão!

Site do autor Flávio de Souzahttp://www.flaviodesouza.com.br/



Chapeuzinho Adormecida no País das Maravilhas

Sinopse: Ao contar uma história para a filha que não consegue dormir, um pai mistura vários contos de fadas na história de Chapeuzinho Vermelho. Na confusão, aparecem o coelho apressado de Alice no País das Maravilhas, um mágico que remete a O Mágico de Oz, uma bruxa má, entre outros personagens clássicos. Mas o que inicialmente parecia confuso resulta numa bela surpresa! 
Autor: Flávio de Souza
72 páginas
Editora FTD
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Confabulando

[...] Na escola em que trabalho é desenvolvido o Projeto "Narrativas Literárias". O Projeto subdivide-se em "categorias", cada turma/série tem uma temática diferente a ser desenvolvida (os temas a serem trabalhados são diversos: Fábulas, Contos de Assombração, Pequena Enciclopédia, Lendas, Brincadeiras Cantadas, entre outros).

Em uma das turmas que trabalho estamos desenvolvendo o Projeto Fábulas. No decorrer das aulas vamos apresentando fábulas "clássicas" e já conhecidas pelas crianças, bem como diferentes versões delas.

Uma das atividades recorrentes no desenvolvimento do Projeto Fábulas é a reescrita. Propomos às crianças que reescrevam as fábulas, utilizando seus conhecimentos prévios, adicionando detalhes, nuances diferentes e abusando da criatividade.

Uma das características marcantes das fábulas é a "Moral", que geralmente vem escrita ao final do texto. 
Muitos não concordam e acham desnecessário um texto que venha trazer um ensinamento ou uma moral de maneira explícita, porém, em minha opinião, acho extremamente válido, para a proposta das fábulas, o texto vir acompanhado de uma "lição" ao final. 
Por mais que nas fábulas os personagens sejam em sua maioria animais com características humanas, os ensinamentos e reflexões propostos por elas são infinitos. As possibilidades de trabalhos com as fábulas são inúmeras e cabe ao professor fazer bom uso delas e instigar seus alunos se interessarem e mergulharem no universo dos bichos falantes, tão parecidos conosco.

[...]

Sempre que meus alunos fazem uma reescrita eu gosto de participar também, fazendo minha própria adaptação da fábula trabalhada no momento.

Compartilharei algumas de minhas próprias versões para fábulas clássicas. Nessas reescritas busco manter sempre a "estrutura" do texto original, porém, adicionando alguns detalhes e aprofundamentos à história.

[...] 

A cigarra e a Formiga
(fábula adaptada por Helder Guastti)

    Numa clareira, no centro da floresta, há um mundo por muitos desconhecido. O reino dos insetos parece ser invisível aos olhos do povo grande, mas isso não quer dizer que ele não exista. Habitado por toda sorte de bichos, de cigarras à formigas, de mosquitos à pernilongos...
    As formigas, cujo número de habitantes compara-se ao da China, são conhecidas por sua dedicação e eficácia no trabalho. Muito organizadas, subdividem-se em classes operárias para realizarem o trabalho de maneira sistematizada (algumas são responsáveis por encontrar restos de doces e carregá-los para o estoque do formigueiro, outras ficam por conta da seleção e transporte de folhas suculentas, etc.).
    Em uma tarde de calor escaldante, num dos verões mais quentes de toda história, uma equipe trabalhava arduamente selecionando, cortando, recolhendo e transportando folhas verdinhas da área de trabalho até o formigueiro, lideradas por Inês, a formiga responsável por aquelas operárias.
    - Foco, força e formigas unidas! O calor está de matar, mas o inverno iremos superar! - gritava Inês, motivando sua equipe de trabalho enquanto selecionava e cortava algumas folhas.
    Apesar de o calor estar sufocante, as formigas trabalhavam com prazer e disposição, pois, sabiam que estariam confortáveis no inverno.
    Trabalhando imersas em sua rotina exaustiva, as formigas mal notaram a melodia alegre e festiva que vinha da pequena pedreira.
    Sentada de maneira despojada e despreocupada, com a inseparável viola à tira colo, estava Florence, a cigarra. Conhecida pelo bom humor e por já ter perdido alguns amigos para não perder a piada, ela curtia a vida como se não houvesse amanhã. Especialmente no verão, sua estação favorita, Florence gostava de ficar ao ar livre, sentindo o vento quente e admirando o céu azul sem nuvens, enquanto dedilhava sua viola.
    - Ô lá lá lá lá lá lá ô! Ai como eu amo esse calor! Ô lá lá lá lá lá lá ô! Trabalhando eu não tô! - cantarolava, vendo ao longe as pobres e dissimuladas formigas trabalhando ao invés de curtirem o verão. - Que Vênus tenha misericórdia dessas criaturas! Será que elas não vêem este dia tão lindo? Vão se arrepender quando o verão acabar, disso eu tenho certeza!
    O tempo passou.
    O verão acabou.
    O inverno chegou.
    E a cigarra, coitada, se lascou!
    Revirando sua casinha de cima a baixo, de um lado para o outro, Florence entrou em desespero, não havia uma migalha sequer para matar sua fome! Agora, a única melodia que se fazia ouvir em sua casa, era o som de seu estômago roncando.
    - Pelos cabelos de Vênus! O que será de mim? - lamentou-se a cigarra em meio aos rugidos de seu estômago. Num lampejo ela teve uma ideia e disse, meio que para si mesma, meio que para seu estômago:
    - Já sei! Irei até o formigueiro, as formigas trabalharam tanto no verão que hão de ter alguma sobra para eu saciar minha fome.
    Caminhando com muita dificuldade por causa da grossa camada de neve que cobria o chão, Florence chegou ao formigueiro.
    Foi recebida por uma operária que a levou até Inês, responsável pelo corte de folhas.
    - O que posso fazer por você companheira? - indagou a formiga num tom afetuoso, porém, autoritário.
    Limpando a garganta e tentando abafar o barulho dos roncos de seu estômago, a cigarra falou, em tom suplicante:
    - Oh, grande mestra das operárias! Eu lhe peço; não, eu lhe imploro! Por favor, tenha misericórdia dessa alma bondosa, me dê algo para comer. - uma lágrima escorreu pela face de Florence.
    Com um olhar penetrante e semblante austero, Inês respondeu:
    - Nós trabalhamos o verão inteiro, do nascer ao pôr do sol, independente de quão quente estava a temperatura, portanto, te pergunto: e você, o que fez no verão?
    - Os dias estavam tão lindos, que passei o verão inteiro cantando... - respondeu a cigarra, sentindo as bochechas queimando.
    - Ah, mas que maravilha! - disse a formiga com ironia - Já que passou o verão inteiro cantando, que passe agora o inverno dançando! Ao som dos roncos do seu estômago, é claro!
    Florence, a cigarra, mal teve tempo de processar a fala da formiga que, assim que terminou de falar, ordenou que as operárias tirassem aquela indigente dali.
    Em meio à uma nevasca terrível, Florence tomou o caminho de volta para casa, mas, sem perceber, foi acometida por um formigamento em suas patas; sentada no chão, com as lágrimas congelando sua face, Florence terminou ouvindo uma melodia harmoniosa: o som do vento uivante e os rugidos de seu estômago suplicante.

    Moral: os preguiçosos colhem o que merecem.




Sobre [re]começos e palavras aprisionadas

[...] acho que não há uma maneira correta ou mais adequada de se iniciar uma escrita ou, muito menos, um blog de cunho pessoal. Primeiramente gostaria de dar as boas-vindas a quem quer que venha visitar este pequeno espaço onde irei publicar algumas de minhas escritas, contos que reescrevi com meus alunos; histórias originais que, em sua grande maioria, tiveram início a partir de diálogos e experiências que tive/tenho com meus pequenos; ilustrações feitas por mim...Enfim, usarei este espaço para dar vazão a minha necessidade quase que absurda de pôr para fora algumas de minhas inquietações.

A meu ver as palavras não devem ficar presas. Serem contidas dentro de um recipiente em nossas mentes. Por mais estranho e estúpido que possa parecer, a partir do momento que você externa o que quer que esteja sentindo ou pensando ou idealizando ou imaginando dentro de sua mente criativa, aquilo toma forma, cria vida. E é isso que venho tentando fazer: dar vida a toda inquietude vocabulária que existe dentro de mim.