Clichê

[...] Nunca consegui compreender direito o porquê de ficar com o humor tão desestabilizado durante o período de festas e comemorações de fim de ano.


Recordo-me quando era pequeno e eu até participava de todos os eventos familiares, bem como das celebrações coletivas, porém, quase que constantemente eu terminava a noite ou em lágrimas ou isolado na escada do terraço da casa de meus tios (onde geralmente eram realizadas as comemorações).


A grande maioria das pessoas acreditava que era falta que sentia de meu pai. Mas não é verdade. Não posso dizer que houve um momento em minha vida em que realmente senti falta de meu pai. Na verdade, só considero utilizar a palavra pai para denominar aquela pessoa porque é o nome que está em minha certidão de nascimento, mas pai mesmo, figura paterna, ele nunca foi.


Voltando a minha inconstância e variações de humor...


Durante o período de festas e comemorações me pego refletindo sobre as decisões que tomei durante o ano. Sobre as pessoas que conheci e as que me afastei (por decisão própria ou circunstâncias adversas da vida). Rememoro as situações apaixonantes e cheias de amor que passei e passo com meus pequenos. Mas, acima de tudo, me autoavalio.


Sempre tive a consciência de que meu maior “inimigo” sou eu mesmo. O problema está dentro de mim. Talvez seja isto o que mais me incomoda durante este período de final de ano e comemorações: meu “inimigo” interior fica mais à flor da pele, mais presente. Ele me faz questionar e questionar e questionar tudo o que trago como verdade e concepções de vida.


Mas por quê?


Where the wild things are
Honestamente, não sei responder esta pergunta.


Mais uma vez, em meio a mais uma reavaliação, mais uma análise de um ano que está se encerrando e prospectos de um ano novo que irá iniciar, me vejo replanejando, deixando algumas coisas de lado (necessárias, como sempre), propondo a mim mesmo que seja uma pessoa melhor, mais aberta a comunicação no ano de dois mil e quinze, o apaziguamento do meu “inimigo” interior e, acima de tudo, triplicar o amor que sinto pelos meus pequenos.


Que no ano de dois mil e dezesseis eu consiga alcançar mais e mais crianças com meu trabalho, com minhas práticas pedagógicas e minha ânsia por ensinar (e aprender também!) com eles.


Feliz ano novo. Feliz vida nova.

A morte da morte

[...] As últimas semanas de aula foram bem corridas. Confesso que não consegui realizar com meus alunos tudo o que gostaria, mas, infelizmente, o sistema de ensino ainda é bem fechado e não dá muita margem aos momentos de criatividade e fruição, enfim, tendo contornar essa situação da melhor maneira possível.


    Em uma das últimas semanas de aula foi proposto pela professora que os alunos realizassem a reescrita de um dos Contos de Assombração trabalhados em sala ou, melhor ainda, que criassem um conto de sua própria imaginação.


    Aproveitando o embalo e o clima de criatividade que se fez presente em sala, produzi um pequeno conto sobre a morte. 


    Veja bem, trabalhando o Projeto Narrativas Literárias "Contos de Assombração", o tema recorrente em quase todos os contos e histórias que trabalhamos em sala de aula foi a morte. Portanto, resolvi utilizá-lo em minha escrita.


    Uma pena que não consegui lê-lo para toda a turma, pois, o cronograma de atividades estava bem apertado. Mas fiquei satisfeito com a resposta que tive dos alunos que ouviram e leram meu conto (aqueles que sempre estão a minha volta, me rodeando e me enchendo de beijinhos, rs). 


A morte da morte
 

          Eram três horas da manhã quando ouviu o chamado. Estava entediada, isso é verdade. O submundo pode ser muitas vezes, maçante.


          Pegando sua fiel companheira, a foice, dirigiu-se aos portões, saindo em busca de mais uma alma amaldiçoada para compor seu harém macabro.


Essa era a morte, indo trabalhar.


          Seguindo seu caminho, escondendo-se nas sombras e escuridão, a morte, sempre calma e serena, chegou ao seu destino.


          A casa de dois andares, com a pintura já meio desbotada e algumas rachaduras nas paredes, era cercada por um muro baixo. O quintal era repleto das mais diversas plantas. No andar superior, duas janelas fechadas e com os vidros cobertos por jornal, compunham a fachada da casa.


          Entrando sorrateira e silenciosamente, a morte começou a procurar seu alvo. A única informação que tinha era o nome da pobre criatura que seria profanada e carregada para as profundezas: Marcos.


          No auge de seus vinte e oito anos, tendo experienciado situações que até Deus duvida e já comido o pão que o diabo amassou, mal sabia Marcos que a morte o observava.


          Segurava em sua mão direita um objeto que a morte não conseguiu identificar, enquanto com a esquerda dedilhava um estranho instrumento que produzia uma melodia assombrosa. De seus lábios saíam palavras numa língua há muito tempo esquecida.


          A morte não conseguiu compreender como, mas, de alguma maneira, aquela melodia estava deixando-a desconcertada.


          Aproximando-se de Marcos sem emitir nenhum som, viu aquela nuca branca convidando-a ao ataque. Levantou a foice que, numa disposição imprópria de luzes e reflexos, acabou por emitir um brilho, projetando uma sombra à frente de Marcos.


          Sobressaltado por aquela sombra que se agigantou diante de si, Marcos virou para trás soltando o instrumento da mão esquerda e levantando o objeto que estava na direita. A melodia assombrosa se intensificou, apesar de o instrumento não estar sendo tocado.


          Num súbito lampejo de claridade intelectual a morte compreendeu tudo! A melodia era um mantra de destruição, a língua falada por aquele ser era um feitiço de apagamento e o objeto em sua mão direita era uma varinha. O infeliz era um mago!
          

     Desconcertada e estupefata, a morte caiu.


          O feitiço proferido por Marcos, o mago, atingiu-a no centro de seu corpo putrefato.


          O som de metal estalando ecoou pelo recinto. A foice estava no chão.


          Encostando a varinha no vazio dentro do manto negro, Marcos deu o golpe final.


          - Destroya in de momentum satan!


          Antes de desvanecer para os confins do inferno astral, a morte, antiga soberana ceifadora de almas, percebeu tudo: seu mestre havia premeditado sua destruição. Enviou-a até ali para ser aniquilada pelo mago Marcos. Mas... por quê?


          Ela nunca descobriria a resposta.


          Existiria na inexistência e seu sofrimento seria eterno.


          Nunca mais ficaria entediada, agora que seria o brinquedinho do diabo.

O leão e as outras feras

O leão e as outras feras
(fábula adaptada por Helder Guastti)
 
Reprodução Google Imagens
          O leão era muito temido por todos os animais da selva. Ninguém ousava contrariá-lo, pelo contrário, todos acatavam suas ideias e decisões, por mais absurdas que fossem.
          Numa tarde, entediado porque não tinha nada de novo para fazer, o leão resolveu se divertir à custa dos outros.
          Convocou três outras feras, a hiena, a onça pintada e a pantera, para juntos irem caçar. Com medo de contrariar o leão, as outras feras aceitaram imediatamente o convite, apesar de acharam que algo estranho estava acontecendo, pois, o leão era conhecido por ter várias características, mas a simpatia não era uma delas.
          Chegando numa clareira, no meio da selva, avistaram um veado pastando. O leão, utilizando seu tom mais autoritário, dirigiu-se às companheiras e disse:
          - Agora vão! E tragam-me aquele veado que, por sinal, parece ser apetitoso. Depois farei a divisão por quatro.
          A hiena, a onça pintada e a pantera avançaram para cima da presa, derrubando-a num único ataque.
          Ao retornaram para perto do leão, a pantera não se aguentou e sussurrou para as companheiras:
          - Isso não está me cheirando bem...
          - Como não!? Esta carne está com um cheiro ótimo! – exclamou a hiena, sempre sorridente.
          - Não é isso que eu quis dizer sua tonta! O que não estou conseguindo entender são as intenções do leão. Primeiro nos chama para caçar, depois age como rei da selva e não move uma pata para ajudar.
          A onça, que carregava o veado morto com a boca, limitou-se a concordar com um aceno de cabeça.
          Cada vez mais próximas do leão, as feras ficaram em silêncio, aproximando-se cautelosamente.
          O leão tomou a presa, repousando uma das patas sobre ela enquanto, com a outra, repartia os quatro pedaços, dizendo:
          - Vamos à partilha companheiras! O primeiro pedaço é meu, é claro, porque é meu por direito. O segundo também é meu, porque sou o soberano, o rei de tudo e de todos.
          - Mas isso não é... – tentou protestar a pantera, sendo prontamente interrompida pelo leão:
          - Calada súdita! Ou minha fúria cairá sobre ti! Agora, continuando: o terceiro pedaço vocês me darão de presente, em homenagem a minha grandeza, sabedoria, coragem e destreza. Já o quarto e último pedaço... Sintam-se livres para vir disputá-lo comigo, prometo que não vou pegar pesado.
          As outras feras puseram os rabinhos entre as pernas, abaixaram as cabeças e seguiram seu caminho.
          Enquanto o leão se deleitava naquele banquete, fazendo barulhos de prazer e satisfação, as feras ouviam apenas uma melodia melancólica e opressora: os sons de seus estômagos roncando.


          Moral: nunca forme uma sociedade sem primeiro saber como será a divisão dos lucros.

O Sapo e o Boi ♥ Confabulando § Seja sempre você mesmo!

[...] Esta fábula talvez não seja tão conhecida quanto "A Cigarra e a Formiga", porém, sua moral é uma das mais realistas e pertinentes para a sociedade em que vivemos.

    Estamos num mundo cheio de padrões e estigmas que carregamos desde muito pequenos. Somos "ensinados" a buscar a perfeição, a almejar aquilo que, geralmente, está bem longe de nosso alcance.

    Acho muito louvável atitudes que venham desconstruir padrões e mostrar para os pequenos que ser diferente é sim muito legal! As diferenças, singularidades e particularidades que cada um de nós temos em nosso interior, são o que nos fazem seres únicos. E são as diferenças que fazem do mundo um lugar tão excepcional de se viver. Afinal, que graça teria se fôssemos todos iguais uns aos outros?

    O dia em que fiz a leitura desta adaptação para minha turma foi muito engraçado, quando terminei a fábula estávamos todos rindo bastante, apesar do desfecho trágico do sapo Arthur.    

    Em minha adaptação escrevi um personagem que, não satisfeito com a adoração que recebia por parte de seus companheiros, resolve tentar se tornar algo que não é, e o resultado dessa ânsia (e, por que não, de recalque) faz com que ele acabe se transformando em algo inimaginável...

[...]

O sapo e o boi
(fábula adaptada por Helder Guastti)



          Na parte central da floresta havia um riacho. Um grupo de sapos que vivia ali por perto adorava passar as tardes à beira do pequeno rio, cantando e caçando moscas.

          Uma tarde de tempo fresco e agradável, o grupo de gosmentos esverdeados, liderados por Arthur falador, repousava com as patinha dentro d’água. Eles riam, contavam piadas envolvendo mosquitos e lavadeiras, lançavam litros de cuspe quando botavam a língua para fora, enfim, estavam curtindo a boa vida de anfíbios.

          Arthur falador, conhecido em toda floresta por ser o menestrel dos animais, contador de histórias e repentista, cantor nas horas vagas e o maior piadista da beira do rio; estava no meio de uma história sobre Cururu, o sapo lendário, quando avistou na outra margem do riacho um boi de grande porte bebericando um pouco de água.

          - O lendário Cururu na beira do rio, quando sapo canta é porque... – interrompeu a história no meio e apontou para o outro lado do riacho. Com os olhos arregalados e a bocarra aberta, disse aos companheiros:

          - Vejam meus amigos! Que criatura maravilhosa! A elegância e o charme que ele demonstra ao beber água são excepcionais. Nunca vi algo assim. Ele parece um deus grego!

          Os outros sapos que ouviam tudo que Arthur falador dizia com uma admiração inexplicável, balançaram a cabeça em concordância aos devaneios do líder.

          - Querem saber de uma coisa: não vou tolerar uma coisa dessas em meu riacho! Vejam como eu consigo ficar maior e mais elegante que ele!

          O falador começou a inflar e inflar e inflar e perguntou aos colegas com os olhos esbugalhados:

          - Já estou do tamanho dele?

          Os sapos balançaram a cabeça negativamente, enquanto Arthur falador seguia inflando e inflando cada vez mais.

          Ploft!

          Um barulho chegou aos ouvidos de todos ali presentes. Pedaços verdes e gosmentos acertaram os sapos nos olhos; um que estava com a bocarra aberta acabou engasgando com um fragmento do falecido.

          Um pedacinho de Arthur falador voou como uma mosca até o outro lado da margem, caindo em frente ao boi. A elegante criatura levantou o olhar e viu os anfíbios desesperados coaxando do outro lado. Preferiu não se envolver, baixou os olhos e seguiu bebericando a água majestosamente.

          Moral: seja sempre você mesmo.


Lenda Urbana: Loira do Banheiro

[...] Uma constante que, creio eu, se faz presente em todas as culturas e sociedades do mundo, é a lenda urbana


    Acredito que em cada povoado, tribo, cidade, vilarejo, metrópole, enfim, em qualquer local onde convivem seres humanos há, no mínimo, uma lenda urbana que faz parte do folclore e imaginário das pessoas. Aqui no Brasil temos o privilégio de ter uma cultura extremamente rica e, por se tratar de um país de dimensões continentais, a diversidade cultural é gigantesca. Temos lendas indígenas, lendas folclóricas e lendas urbanas das mais variadas "espécies" (quem nunca ouviu falar no "Chupa-Cabra" ou no Saci-Pererê ou no Lobisomem?).


     Uma das lendas urbanas mais difundidas e conhecidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, é a da "Loira do Banheiro" (conhecida também como Mulher de Algodão, Maria Sangrenta ou Bloody Mary nos Estados Unidos). Há inúmeras variações desta lenda. Em algumas versões, a loira é uma garota que adorava matar aula e acaba escorregando e batendo a cabeça no vaso sanitário e morrendo; em uma outra versão ela se trata de uma professora que acaba tendo um caso com um aluno e é assassinada pelo marido ciumento; numa outra versão ela é uma mãe cujo filho havia ficado de castigo no banheiro da escola e ela morre num acidente de carro tentando chegar até ele, são colocados pedaços de algodão em seus ferimentos, para evitar hemorragias... 


    Enfim, são infinitas versões da "Loira do Banheiro". Resolvi adaptar esta lenda para recontar aos alunos nesta última semana de aula. Optei em descrever uma loira no ambiente escolar que, tendo sofrido bullying, acaba tendo um destino insólito.

[...]


A loira do banheiro
(lenda adaptada por Helder Guastti)

 

            Todas as manhãs ela levanta com um desânimo descomunal. Caroline odeia ir à escola. Não consegue descrever desgosto maior do que ter que ir àquele lugar e aturar aquelas pessoas terríveis.

            Ela está no 4º ano do ensino fundamental. 10 anos de idade. Mora com sua mãe, seu pai e o irmão mais novo.

            Quando mais nova adorava ir à escola, frequentar as aulas (especialmente as de Língua Portuguesa, sua disciplina favorita) e curtir o horário de recreio, porém, nos últimos tempos, Caroline tem sofrido bastante no ambiente escolar. Seus colegas de turma implicam com ela, dando-lhe apelidos e tratando-a com desrespeito e xingamentos. Ela não sabe o que houve ou o que fez de errado para merecer este tipo de tratamento, mas os indivíduos que a importunam não se dão ao trabalho de explicar-lhe os motivos de suas ofensas.

            - Não aguento mais esses idiotas! O que fiz para merecer isso? Se eu pudesse acabava com todos eles e sumia daqui, de uma vez por todas!

            Cansada de ofensas e maus tratos, Caroline passou a matar aula.

            Trancava-se no banheiro da escola, na cabine do meio, todos os dias. Passava o recreio no banheiro, assistia uma ou duas aulas e o restante da manhã ficava trancada no banheiro, sem ver ou falar com ninguém. Apenas ela e seus pensamentos que, constantemente, eram sobre vingança e fugas.

            Numa quinta-feira do mês de dezembro, Caroline acordou um pouco mais animada e motivada. Tinha tido um sonho maravilhoso na noite anterior e estava sentindo que as coisas mudariam daquele dia em diante, que sua vida nunca mais seria a mesma.

            Decidiu não matar aula naquele dia. Era dia de Arte e Educação Física e ela estava motivada a dar uma mudança em sua vida, independente dos maus agouros de seus colegas.

            Naquela manhã, após a aula de Educação Física, Caroline foi ao banheiro limpar o suor do rosto e se refrescar.

            Foi até à cabine do meio do banheiro, aquela em que passava a maior parte de seus dias, quando ouviu muitas risadas e burburinhos. Algumas garotas haviam entrado no banheiro falando pelos cotovelos e rindo como se tivessem ouvido a piada mais engraçada do universo.

            Caroline fez o máximo de silêncio possível; aquelas eram algumas das garotas que mais a incomodavam. Toda a segurança e motivação que havia sentido quando acordou foram indo por água abaixo. Ficou tensa, prendendo a respiração para não ser ouvida.

            - Gente, ninguém merece mais aquela tosca da Caroline. Loira azeda e aguada. Alguém, por favor, jogue álcool em gel nos meus olhos se eu precisar ver aquelas fuças de fantasma mais uma vez em minha vida. E o que era ela correndo na hora da queimada? Parecia uma mula desenfreada! Socorro! – falou Ana Clara, enquanto retocava o batom se olhando no espelho e as companheiras riam freneticamente.

            As garotas malvadas seguiam destilando comentários maldosos e inescrupulosos sobre a pobre Caroline que a tudo ouvia, se afogando em lágrimas e contendo os soluços dentro da cabine do banheiro para que as garotas não a ouvissem.

            Em meio às gargalhadas e comentários uma das garotas disse:

            - Ei, que barulho é esse?

            Caroline não havia percebido, mas, depois de tanto chorar em silêncio, já estava soluçando alto. Descontroladamente.

            - Quem é que tá aí? Saia logo, se você tem amor a sua vida... – ameaçou Ana Clara que, como Caroline bem sabia, era a líder do grupo de garotas da sala, todas a seguiam onde quer que fosse e acatavam todas as suas ideias e discursos de ódio.

            A pobre garota, sentada no vaso sanitário com lágrimas escorrendo pela face e molhando sua blusa, misturando-se ao suor proveniente do jogo de queimada e elevando-se com a respiração pesada e os movimentos dos soluços involuntários, ficou ainda mais desesperada. Tentou abafar os soluços. Mas suas tentativas foram em vão. Suas mãos tremiam e sua pele transpirava um suor frio, cheio de nervosismo e ansiedade.

            Ana Clara, a líder maldosa, fez sinal para que as outras garotas ficassem quietas e foi andando silenciosamente, feito uma onça partindo pra cima da presa, até chegar à frente da porta da cabine do meio.

            Pá! Pá! Pá! Socou a porta três vezes com toda a força possível.

            Caroline soltou um grito de susto e horror! Agora tremia dos pés à cabeça. As lágrimas jorravam feito uma cachoeira e seu peito arfava com tanta força devido aos soluços, que seu corpo parecia estar sofrendo de um terremoto interno.

            Ana Clara colocou os olhos na fenda entre a porta e a dobradiça e avistou Caroline do outro lado.

            - Ah! É você que está aí sua porca azeda repugnante! Agora, além de tudo, resolveu ficar espiando nossas conversas não é?! Você vai se arrepender disso sua escrota. Abra essa porta agora ou eu vou colocar ela abaixo!

            O que fazer? Ela não queria causar problema algum. Caroline pensou que se abrisse a porta teria de arcar com a fúria de Ana Clara e suas seguidoras tenebrosas, porém, se ficasse com a porta trancada sofreria com a ira da garota, que levaria sua atitude como uma afronta e, uma das coisas que Ana Clara mais odiava, era se sentir desafiada e afrontada, para ela, todos deviam obedecê-la e respeitá-la, como se fosse a abelha rainha.

            Em sua crise de desespero e nervosismo trêmulo Caroline não conseguiu se mover. Seu corpo não respondeu a seus comandos e ficou ali, sentada no vaso sanitário da cabine do meio do banheiro da escola.

            - Então é assim que vai ser né? Você vai se arrepender recalcada. Sua hora chegou. – o tom de voz de Ana Clara era tão cheio de ódio e rancor que, por um momento, Caroline sentiu seu coração parar e a respiração falhar.

            Ela ouviu alguns barulhos vindos do lado de fora da cabine, mas não conseguiu distingui-los.

            Os sons que a garota ouvira vinham de Ana Clara e suas seguidoras que, para arrombar a porta da cabine do banheiro, retiraram o extintor de incêndio que ficava ao lado do espelho (quebrando o canto direito do espelho, fazendo tilintar no chão fragmentos de vidro que refletiam toda aquela barbárie e insanidade) e, em estocadas firmes e fortes, começaram a bater na porta.

            Ana Clara ficou ao fundo, deixando que as outras garotas acertassem o extintor e proferissem chutes na porta, a fim de arrombá-la.

            Depois de alguns minutos a porta caiu com força, para dentro, acertando Caroline em cheio no centro testa. A garota ficou tonta e com a visão meio embaçada. As meninas malvadas aproximaram-se com ódio no olhar.

            - Tragam essa imunda até aqui! – ordenou Ana Clara com ares de bruxa maligna.

            As garotas puxaram os longos cabelos loiros de Caroline, derrubando-a do vaso sanitário e arrastando-a pelo chão, algumas davam chutes e outras cuspiam enquanto ela foi largada sob os pés de Ana Clara.

            - Aninha, por favor, nós éramos amigas quando pequenas. Por que você faz isso comigo agora? – suplicou a loira.

            - Não me venha com essa de Aninha sua estúpida! Cale a boca! Nunca fui sua amiga! Eu te odeio, te odeio! – Ana Clara gritava loucamente, suas companheiras incitavam-na, adorando ver e ouvir as ofensas que ela desferia para a pobre Caroline.

             A menina, jogada no chão sujo do banheiro, molhada de suor e lágrimas, tremendo e soluçando descontroladamente, com marcas de chutes e cuspe no corpo, resolveu não resistir. Elas eram muitas e não havia nada que pudesse fazer para sair daquela situação. Ninguém viria ajudá-la, ela merecia aquilo.

            Uma das garotas segurou Caroline pelo cabelo, enquanto Ana Clara cortava-o, deixando-o pelos ombros, todo falhado, com fios longos e embaraçado. Outra das meninas malvadas pegou o algodão que guardava na bolsa para retirar esmaltes e maquiagem e enfiou no nariz, ouvidos e boca da pobre garota loira.

            Arrastaram-na mais uma vez, até estarem de volta à cabine do meio do banheiro. Enfiaram a cabeça de Caroline no vaso sanitário. A garota engasgava-se com aquela água suja e cheia de bactérias quando, de repente, todas foram surpreendidas por uma voz vindo da porta do banheiro:

            - Mas o que é isso? O que vocês estão fazendo? Soltem essa garota, imediatamente! – era a coordenadora da escola, Dona Verônica, que empurrou as garotas e retirou a cabeça de Caroline de dentro do vaso. As meninas fugiram correndo, sem olhar para trás.


            Nos dias seguintes Caroline não foi mais vista.

Dona Verônica, que chegou ao banheiro no momento em que as meninas malvadas mergulhavam a cabeça de Carol no vaso sanitário, foi encontrada morta em sua casa, sufocada no banheiro.

Na semana seguinte ao ataque, Ana Clara, a abelha rainha da maldade, entrou no banheiro após a aula de educação física a fim de se refrescar. Vale ressaltar que a menina seguiu com sua vida como se nada tivesse acontecido. Quando foi até o espelho para retocar o batom, ela ouviu um grito histérico. Olhando para o reflexo no espelho deixou o batom cair e se partir no chão, arregalou os olhos e não pode acreditar no que via. Atrás de si estava uma loira, com tufos de algodão dentro do nariz e da boca, com olhos inchados e escuros e uma cabeleira desgrenhada.

O espírito (ou seria um fantasma?) aproximou-se de Ana Clara, abriu a boca, mas, não falou nada. De seus olhos escorriam lágrimas de sangue. Sua presença fez os pelos do corpo de Ana se arrepiarem. Feito uma criança pequena ela molhou as calças. Buscou forças no fundo de seu interior e conseguiu sair dali aos tropeções. Deste dia em diante, nunca mais abriu a boca para ofender ou denegrir ninguém.

Conta à lenda que Caroline não resistiu àquele dia de ataques e ofensas, e acabou se suicidando no banheiro. Alguns dizem que, até hoje, é possível ver o espírito da pobre garota loira de nome Caroline.

Para todos aqueles que matam aula e todos aqueles que ofendem e destratam os colegas, Caroline aparece feito um espírito vagante, com algodão no nariz e na boca, ela segue buscando companheiras para serem suas amigas no além e curtirem o recreio dentro da cabine do meio do banheiro.

Se você quiser vê-la, pegue um batom e encare o espelho sem piscar, por três minutos. Ou então, sente-se no vaso sanitário da cabine do meio do banheiro e diga:

- Caroline, Caroline, Caroline, antes que a aula termine, que o terror me domine e a escuridão ilumine, quero que você me confine!

Dizem que ela aparece na hora. Mas, para ter certeza, você precisa tentar...

Enrico de Prata ♥


Com Enrico de Prata e as crianças, numa de minhas andanças pedagógicas
   
     "A lição mais importante que as crianças precisam aprender é que estamos todos conectados uns aos outros no nível da alma e precisamos aprender a amar o próximo e cuidar dele, não importa o que for necessário! Que nossos pensamentos, palavras e ações realmente afetam aqueles próximos de nós. Que mudar o mundo começa com uma ideia. Que o amor pode tudo." (Madonna)

Capa do livro/ Google Imagens

    O que dizer do meu segundo livro infantil favorito?

    Palavras me faltam para descrever toda a beleza deste livro! 

    Em minha opinião, "Enrico de Prata" é fantástico. 

    O livro conta a história de Enrico, um homem extremamente rico e poderoso, porém, completamente infeliz. Enrico possui castelos, riquezas, luxo e poder, mas é absolutamente mal-humorado e sente que, apesar de toda a riqueza material que o cerca,  falta algo em sua vida. É quando ele toma conhecimento da existência de um velho sábio que a vida de Enrico muda profundamente! Ele embarca numa jornada de auto-descoberta e realização pessoal, a fim de encontrar o maior tesouro da vida.

    O texto do livro é muito bem escrito e a história se desenvolve de uma maneira que não tem como deixar de se envolver e mergulhar nas páginas. 

    Acompanhando a história de Enrico estão as ilustrações que, em minha humilde opinião, são o que há de mais excepcional no livro. Feitas por Rui Paes, elas compõem um cenário de tirar o fôlego. Representando os personagens em formas humanas, porém, com "rostos" de animais, Rui traz componentes característicos das fábulas para abrilhantar ainda mais o texto de Madonna que soa exatamente como uma fábula clássica, mostrando-nos um personagem "problemático" que, ao fim de sua jornada, consegue nos transmitir uma boa moral e uma lição para toda vida.


    Penso que todos deveriam ler este livro, crianças, jovens, idosos, adultos... Uma fábula atemporal e extremamente real, nos faz pensar e repensar conceitos que trazemos há tanto tempo enraizados em nosso interior.


Enrico de Prata
Capa dura: 48 páginas
Editora Rocco
Compre na Amazon clicando aqui

Site da autora: http://www.madonna.com/
Site do ilustrador: http://ruipaes.com/

O crescimento da Turma da Mônica

[...] Confesso que nunca fui muito "chegado" aos quadrinhos da Turma da Mônica. Desde quando eu era mais novo, o que me atraía mesmo eram os mangás japoneses (Sakura Card Captors  Chobits), portanto, há alguns anos atrás, quando vi que a Turma da Mônica havia sofrido uma transformação, recebendo traços em estilo mangá eu meio que "torci o nariz", rs. Um pré-conceito, sem ao menos conhecer como seriam as revistas ou a linha de histórias que seguiriam. Já havia visto minha sobrinha lendo as revistinhas da Turma da Mônica Jovem mas nunca tinha tido a curiosidade de olhá-las para ver como eram.

    Este ano estou tendo a oportunidade de trabalhar numa turma incrível cheia de grandes leitores, a turma do 2º ano em que trabalho é fantástica, a grande maioria das crianças se interessa por leituras diversas, de gibis à livros mais "encorpados" e grossos. Foi por meio deles que tive contato com as revistas da Turma da Mônica Jovem.

    Iniciamos a leitura num recreio, três crianças e eu. Sinceramente? Me apaixonei pela revista na primeira leitura. E foram fantásticas as mudanças que as revistinhas trouxeram para nós e nossos recreios.
Bem-vindos ao Japão



        Começamos com uma história em quadrinhos e três crianças. Conforme os dias foram passando, foram se juntando e aproximando mais e mais crianças para participarem de nossas leituras. O suspense das histórias vai nos prendendo cada vez mais e aquilo que começou como uma coisa tão "basiquinha", torna-se um dos momentos mais agradáveis e prazerosos de nossa rotina diária.

Lendo alguns capítulos por dia durante o recreio com as crianças, me divirto tanto quanto eles. Um grande acerto do Maurício, desde o uso dos traços inspirados nos mangás japoneses até o uso de "gírias modernas" como "queria estar morta"!

    Em minha opinião o grande "trunfo" das revistas é o roteiro. De viagens e invasões alienígenas à vírus zumbi, de viagens à Tóquio à universos paralelos. As crianças ficam fascinadas.

    Assim foi formado nosso Clube da Leitura, a partir das revistas da Turma da Mônica. Já lemos vários exemplares. Por meio desses momentos de leitura no recreio também são feitos empréstimos de gibis feitos por mim e, também, pelas crianças entre si.

    O número de participantes do momento da leitura no recreio varia conforme o tema da revista que estamos lendo. Percebo que quando são temas que envolvem mais ação (como os exemplares dos Herdeiros da Terra e os do Chico Bento Moço - Zona de Contágio) eu fico rodeado por várias crianças, tanto meninas quanto meninos, do 1º ao 4º ano, porém, quando são assuntos mais "mundanos" como viagens e amizade (sem envolverem assuntos de cunho fantástico) o número de participantes é um pouco menos. Mas isso não tira meu entusiasmo, muito pelo contrário, tenho um número de participantes assíduo e recorrente, que quando eu saio para o pátio já estão sentados me esperando e guardando meu lugar entre eles; essa diversidade de personalidades e gostos é algo que levo em consideração quando seleciono material para lermos coletivamente. Sempre vario as leituras, intercalando entre revistas em quadrinhos e livros de literatura, bem como histórias coletivas improvisadas (eu "puxo" a história, dando o início e um personagem, um panorama superficial, daí aponto para quem deve dar continuidade à história e assim por diante, quando fazemos isto é muito engraçado porque tem crianças que respondem imediatamente, dando detalhes e indo por vertentes inimagináveis, em contrapartida, há aquelas que "travam", morrendo de vergonha de se expressar e dar continuidade à história), assim, seguimos em frente lendo cada vez mais, rindo mais ainda e nos divertindo aos montes.
Sobre princesas, zumbis e um médico muito louco que adora contar histórias.