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Lenda Urbana: A Viúva Machado

     
     No ano passado fui convidado por uma professora do quarto ano a contar uma lenda para seus alunos. No município em que resido as escolas trabalham com projetos trimestrais e, no último trimestre de dois mil e quinze, o quarto ano estava trabalhando o Projeto Lendas.


     Em todos esses anos que trabalho, sempre que vi o Projeto Lendas ser executado eu ficava um pouco…"fadigado", pois, todos os anos se trabalhava da mesma maneira. Portanto, aproveitei o convite da professora e pensei numa maneira de contar uma lenda interessante e que fugisse dos clichês que os alunos já estavam saturados [Iara, Mula-sem-cabeça, Saci e etc.].


     Optei por contar uma lenda urbana. Mas, eu não queria algo que eles já tivessem ouvido falar. Minha intenção era prender a atenção deles desde a primeira frase até o último segundo da lenda. Então, fiz algumas pesquisas sobre lendas urbanas e me deparei com uma lenda urbana do nordeste, chamada A Viúva Machado. Adorei a história de Amélia, mas, a meu ver, faltava algo realmente atrativo, que realmente chamasse a atenção da turma [a lenda que encontrei era bem pequena].


     Então, num rompante criativo e com uma ânsia tremenda de agradar as crianças, escrevi minha própria versão da lenda A Viúva Machado. Utilizando um tom ao mesmo tempo surreal e levemente macabro, posso dizer, modestamente, que consegui vidrar as crianças na história do início ao fim! [um detalhe é que, para completar o clima, o dia em que contei esta lenda foi numa sexta-feira 13, dia 13/11/15]


     Espero que você se divirta com minha lenda A Viúva Machado e, um alerta: muito cuidado com as palavras e julgamentos que faz sobre as outras pessoas, afinal, nunca sabemos do que o outro é capaz…


A viúva Machado

          Amélia Machado sempre foi considerada estranha. Nascida sob o nome de Amélia Pereira e dona de orelhas de tamanho descomunais, Amélia sempre foi atormentada por todos, recebendo apelidos depreciativos e maus tratos por todos aqueles que a cercavam. Desde que estava no ventre de sua mãe, Amélia já sofria.

          A mãe de Amélia foi abandonada por seu pai, assim que descobriu a gravidez. Durante os nove meses de gestação, a mãe de Amélia, dona Álvara Pereira, sofreu de enjoos constantes, dores vorazes e muita, mas muita tristeza por estar carregando aquele feto indesejado e, ainda por cima, tendo de arcar com todas as consequências de uma gravidez não planejada sozinha, sem apoio de marido algum.

          Amélia nasceu uma criança raquítica, fraca, mais magra que uma vareta e com orelhas enormes, tão grandes que, desde sempre, foi chamada de “elefantinho”.

          Sofreu muito nas mãos de sua mãe que a chamava de bastarda e tratava a garota como uma empregada, deixando todo o serviço doméstico para a menina dar conta.

          O sofrimento de Amélia diminuiu no dia em que sua mãe, dona Álvara, morreu atropelada por um caminhão ao atravessar a principal Rua de Natal. A garota, agora com dezoito anos de idade e já bem desgastada dos tormentos e sofrimentos que passou com sua mãe e também das ofensas que recebia sempre que saía na rua, por conta de suas enormes orelhas, acreditava que sua sina era morrer sozinha.

          Porém, no dia 13 de novembro de 1995, durante a Feira Municipal de Cultura de Natal, a pobre Amélia conheceu um empresário português, Seu Manoel Machado, dono de uma rede de padarias muito bem conceituada na cidade.

          Manoel Machado apaixonou-se por Amélia imediatamente.

          O povo não podia acreditar! A “elefantinho”, de alguma maneira, havia conseguido um pretendente! Ele era muito louco por se apaixonar por uma mulher tão grotesca ou sofria de sérios problemas de visão.

          Apesar de toda a controvérsia e falatório das pessoas maldosas, Seu Manoel Machado pediu Amélia em casamento.

          No dia do enlace, a igreja da paróquia estava lotada. Claro que as pessoas ali presentes não estavam a fim de torcer pela felicidade de Amélia, apenas tinham ido ver se aquilo realmente aconteceria ou se Manoel Machado iria abandonar a “elefantinho” no altar.

          Numa cerimônia simples, porém muito emocionante para Amélia, os dois se casaram e foram morar juntos na antiga casa da mãe de Amélia. Ela, apesar de ter comido o pão que o diabo amassou naquela casa, bateu o pé e não abriu mão de morar em outro lugar, ela disse para seu marido:

          — Foi aqui que nasci e fui criada. Apesar de não ter tido a melhor das infâncias, creio que juntos podemos mudar esse quadro. Sei que você me fará muito feliz aqui e encheremos essa casa de crianças!

          Manoel Machado, que aceitava tudo que sua amada esposa dizia, limitou-se a responder:

          — Eu faço tudo por você meu amor. Tudo!

           E assim foi feito. Manoel Machado trouxe todos os seus bens para a casa de Amélia e estabeleceram-se ali os pilares da relação.

Nos primeiros meses de casamento tudo corria as mil maravilhas. A população da cidade passou a respeitar mais Amélia agora que estava casada, mas continuavam a cochichar pelas suas costas.

Por ser um empresário de sucesso, Manoel Machado passava muito tempo fora de casa, deixando sua esposa sozinha.

Com o passar do tempo, as pessoas foram deixando de lado o respeito a pouco tempo adquirido para com Amélia Machado e retornaram a ofendê-la, agora de maneira mais agressiva.

Os mais velhos diziam para as crianças não se aproximarem daquela casa, muito menos chegarem perto da mulher elefante. Corria a lenda de que ela era amaldiçoada, afastou seu pai por ser tão medonha e só trouxe desgraças para a vida de sua mãe. Alguns diziam que ela havia matado a mãe num ritual de magia negra e, a grande maioria, afirmava que ela havia feito um pacto com o demônio para conseguir casar com o marido e, mais cedo ou mais tarde, o pobre coitado iria pagar o preço.

Numa noite tempestuosa, ao voltar para casa de uma de suas padarias, Seu Manoel Machado foi acometido por um grave acidente. Ao sair da padaria, atravessando a rua para chegar até seu carro, ele foi atropelado por um caminhão!

Pobre Amélia Machado! A cada dia que passava acreditava cada vez mais que realmente era amaldiçoada e que a felicidade nunca bateria a sua porta.

Tomada por uma depressão profunda e pelo luto da morte do marido, Amélia Machado decidiu trancafiar-se em casa e nunca mais colocar a cara na rua. Tudo o que ela não queria agora era ouvir ofensas e ter dedos apontados para si.

Porém, após a morte de Seu Manoel Machado, a população tornou-se mais agressiva com Amélia. Apesar de não sair mais de casa, o povo encontrava meios de atormentá-la. O muro de sua casa já estava todo pichado com palavras como: bruxa, amaldiçoada, assassina, maldita, dentre outras ofensas. As janelas eram constantemente apedrejadas por meninos arteiros e a fachada da casa diversas vezes foi impregnada de um cheiro asqueroso, proveniente dos ovos que eram jogados nela.

Ninguém sabia como Amélia Machado vivia naquela casa. O que ela comia, o que fazia, com quem conversava... Mas ninguém se interessava em saber. Agora, mais do que nunca, todos acreditavam que ela era uma bruxa assassina de parentes.

Na noite de sexta-feira, 13 de novembro de 2015, um grupo de meninos encapetados, liderados pelo mais endiabrado de todos, Bernardo, o diabo, resolveu pregar uma peça na bruxa de orelhas de elefante.

Bernardo reuniu seus colegas na garagem de casa e disse:

— Quero ver quem é homem o bastante para entrar na casa da mulher elefante! Tem que entrar e sair com um objeto da casa da bruxa para provar o seu feito.

Seus colegas entreolharam-se, mas ninguém se atreveu a aceitar o desafio.

— Bando de frouxos! Eu vou entrar na casa daquela maldita e quero ver o que ela vai fazer comigo. Seu bando de covardes! Olhem e aprendam.

Os moleques dirigiram-se à casa de Amélia Machado que, à noite, tinha um ar mais assombroso que nunca, todas as luzes estavam apagadas e parecia não haver ninguém morando ali dentro. Na verdade a casa parecia abandonada. Ninguém sabia ao certo se a orelhuda ainda vivia ali.

Bernardo, todo cheio de si, foi de mansinho adentrando na propriedade da pseudo bruxa. Pulou o muro e foi andando feito um gato, até arrombar uma janela e adentrar no recinto assombroso.

Apesar de toda a coragem que dizia ter, o menino não pôde deixar de sentir um frio na barriga e um arrepio na nuca assim que pisou dentro da casa. Mas, agora que estava ali dentro, não tinha como voltar atrás; afinal, ele tinha uma reputação a zelar.

Ele resolveu pegar um porta-retratos que estava sob uma mesinha empoeirada perto da parede da sala, mas a curiosidade falou mais alto e não resistiu à tentação de subir as escadas para ver se conseguia espiar a bruxa orelhuda. Andando calmamente, nas pontas do pé, Bernardo subiu feito um gato a escadaria, tremendo a cada degrau que percorria.

Quando chegou ao quarto principal, o menino empurrou a porta de devagar e, olhando para a cama, não viu nada.

— Bem, acho que aqui não tem orelhuda nenhuma. Isso tudo deve ser conversa para boi dormir, melhor eu ir embora e mostrar para aqueles frouxos que eu sou o homem de verdade do grupo. – pensou o garoto.

Porém, quando estava pronto para dar meia volta e sair por onde entrou, Bernardo sentiu uma mão esquelética em seu ombro direito. Unhas enormes cravando sua carne e, sem saber o que fazer, soltou um grito tão alto que pode ser ouvido da rua.

— Então você pensa que pode entrar aqui e profanar o meu lar, pequeno peste? – disse Amélia Machado que, superando todas as expectativas do garoto, possuía orelhas tão grandes que formavam um conjunto grotesco junto à face horrível da mulher que, com aquelas orelhas gigantes, parecia ter três cabeças.

O menino tremia da cabeça aos pés. Não pôde deixar de sentir suas pernas quentes, devido ao líquido que escorria dentro de sua calça.

Amélia Machado surtou. Todos aqueles anos de ofensas e maus tratos, juntos ao sofrimento causado por todas as mortes que vivenciou... Ela ficou descontrolada. Pegou o menino pelo pescoço e o arrastou escada abaixo, levando-o para a cozinha.

Chegando lá, Amélia Machado jogou Bernardo encima da mesa. Apesar de já ser bem velha e bastante magra, Amélia possuía uma força descomunal.

O menino só conseguia gritar e gritar a plenos pulmões. As lágrimas escorriam de seus olhos sem parar, banhando seu rosto e encharcando sua camiseta.

Amélia Machado, num surto psicótico, pegou um cutelo da gaveta do armário e partiu para cima do garoto. A mulher de orelhas de elefante aproximou-se de Bernardo, dando gargalhadas assombrosas que gelavam o sangue do menino.

Fazendo um corte preciso na barriga do moleque, Amélia Machado separou pele de carne e, escolhendo o fígado como prato principal, se deleitou naquele banquete macabro.

Os amigos de Bernardo esperaram por horas, sem terem coragem de entrar na casa da bruxa de orelhas de elefante. Foram para casa tremendo e assombrados pelo grito que ecoou em seus ouvidos e pela gargalhada assombrosa que ouviram, antes de um relâmpago iluminar o céu e as luzes de todos os postes da rua se apagarem.



Ninguém sabe ao certo o que aconteceu com Bernardo. Reza a lenda que a bruxa Amélia Machado devorou-o inteiro, comendo até os ossos. A casa onde ela vivia ainda se encontra na cidade de Natal e, até hoje, as pessoas temem passar em frente a ela e as crianças, como sempre malcriadas, insistem em entrar na propriedade da velha Amélia Machado. Quem naquela casa entra, nem sempre é visto de novo.





Lenda Urbana: Loira do Banheiro

[...] Uma constante que, creio eu, se faz presente em todas as culturas e sociedades do mundo, é a lenda urbana


    Acredito que em cada povoado, tribo, cidade, vilarejo, metrópole, enfim, em qualquer local onde convivem seres humanos há, no mínimo, uma lenda urbana que faz parte do folclore e imaginário das pessoas. Aqui no Brasil temos o privilégio de ter uma cultura extremamente rica e, por se tratar de um país de dimensões continentais, a diversidade cultural é gigantesca. Temos lendas indígenas, lendas folclóricas e lendas urbanas das mais variadas "espécies" (quem nunca ouviu falar no "Chupa-Cabra" ou no Saci-Pererê ou no Lobisomem?).


     Uma das lendas urbanas mais difundidas e conhecidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, é a da "Loira do Banheiro" (conhecida também como Mulher de Algodão, Maria Sangrenta ou Bloody Mary nos Estados Unidos). Há inúmeras variações desta lenda. Em algumas versões, a loira é uma garota que adorava matar aula e acaba escorregando e batendo a cabeça no vaso sanitário e morrendo; em uma outra versão ela se trata de uma professora que acaba tendo um caso com um aluno e é assassinada pelo marido ciumento; numa outra versão ela é uma mãe cujo filho havia ficado de castigo no banheiro da escola e ela morre num acidente de carro tentando chegar até ele, são colocados pedaços de algodão em seus ferimentos, para evitar hemorragias... 


    Enfim, são infinitas versões da "Loira do Banheiro". Resolvi adaptar esta lenda para recontar aos alunos nesta última semana de aula. Optei em descrever uma loira no ambiente escolar que, tendo sofrido bullying, acaba tendo um destino insólito.

[...]


A loira do banheiro
(lenda adaptada por Helder Guastti)

 

            Todas as manhãs ela levanta com um desânimo descomunal. Caroline odeia ir à escola. Não consegue descrever desgosto maior do que ter que ir àquele lugar e aturar aquelas pessoas terríveis.

            Ela está no 4º ano do ensino fundamental. 10 anos de idade. Mora com sua mãe, seu pai e o irmão mais novo.

            Quando mais nova adorava ir à escola, frequentar as aulas (especialmente as de Língua Portuguesa, sua disciplina favorita) e curtir o horário de recreio, porém, nos últimos tempos, Caroline tem sofrido bastante no ambiente escolar. Seus colegas de turma implicam com ela, dando-lhe apelidos e tratando-a com desrespeito e xingamentos. Ela não sabe o que houve ou o que fez de errado para merecer este tipo de tratamento, mas os indivíduos que a importunam não se dão ao trabalho de explicar-lhe os motivos de suas ofensas.

            - Não aguento mais esses idiotas! O que fiz para merecer isso? Se eu pudesse acabava com todos eles e sumia daqui, de uma vez por todas!

            Cansada de ofensas e maus tratos, Caroline passou a matar aula.

            Trancava-se no banheiro da escola, na cabine do meio, todos os dias. Passava o recreio no banheiro, assistia uma ou duas aulas e o restante da manhã ficava trancada no banheiro, sem ver ou falar com ninguém. Apenas ela e seus pensamentos que, constantemente, eram sobre vingança e fugas.

            Numa quinta-feira do mês de dezembro, Caroline acordou um pouco mais animada e motivada. Tinha tido um sonho maravilhoso na noite anterior e estava sentindo que as coisas mudariam daquele dia em diante, que sua vida nunca mais seria a mesma.

            Decidiu não matar aula naquele dia. Era dia de Arte e Educação Física e ela estava motivada a dar uma mudança em sua vida, independente dos maus agouros de seus colegas.

            Naquela manhã, após a aula de Educação Física, Caroline foi ao banheiro limpar o suor do rosto e se refrescar.

            Foi até à cabine do meio do banheiro, aquela em que passava a maior parte de seus dias, quando ouviu muitas risadas e burburinhos. Algumas garotas haviam entrado no banheiro falando pelos cotovelos e rindo como se tivessem ouvido a piada mais engraçada do universo.

            Caroline fez o máximo de silêncio possível; aquelas eram algumas das garotas que mais a incomodavam. Toda a segurança e motivação que havia sentido quando acordou foram indo por água abaixo. Ficou tensa, prendendo a respiração para não ser ouvida.

            - Gente, ninguém merece mais aquela tosca da Caroline. Loira azeda e aguada. Alguém, por favor, jogue álcool em gel nos meus olhos se eu precisar ver aquelas fuças de fantasma mais uma vez em minha vida. E o que era ela correndo na hora da queimada? Parecia uma mula desenfreada! Socorro! – falou Ana Clara, enquanto retocava o batom se olhando no espelho e as companheiras riam freneticamente.

            As garotas malvadas seguiam destilando comentários maldosos e inescrupulosos sobre a pobre Caroline que a tudo ouvia, se afogando em lágrimas e contendo os soluços dentro da cabine do banheiro para que as garotas não a ouvissem.

            Em meio às gargalhadas e comentários uma das garotas disse:

            - Ei, que barulho é esse?

            Caroline não havia percebido, mas, depois de tanto chorar em silêncio, já estava soluçando alto. Descontroladamente.

            - Quem é que tá aí? Saia logo, se você tem amor a sua vida... – ameaçou Ana Clara que, como Caroline bem sabia, era a líder do grupo de garotas da sala, todas a seguiam onde quer que fosse e acatavam todas as suas ideias e discursos de ódio.

            A pobre garota, sentada no vaso sanitário com lágrimas escorrendo pela face e molhando sua blusa, misturando-se ao suor proveniente do jogo de queimada e elevando-se com a respiração pesada e os movimentos dos soluços involuntários, ficou ainda mais desesperada. Tentou abafar os soluços. Mas suas tentativas foram em vão. Suas mãos tremiam e sua pele transpirava um suor frio, cheio de nervosismo e ansiedade.

            Ana Clara, a líder maldosa, fez sinal para que as outras garotas ficassem quietas e foi andando silenciosamente, feito uma onça partindo pra cima da presa, até chegar à frente da porta da cabine do meio.

            Pá! Pá! Pá! Socou a porta três vezes com toda a força possível.

            Caroline soltou um grito de susto e horror! Agora tremia dos pés à cabeça. As lágrimas jorravam feito uma cachoeira e seu peito arfava com tanta força devido aos soluços, que seu corpo parecia estar sofrendo de um terremoto interno.

            Ana Clara colocou os olhos na fenda entre a porta e a dobradiça e avistou Caroline do outro lado.

            - Ah! É você que está aí sua porca azeda repugnante! Agora, além de tudo, resolveu ficar espiando nossas conversas não é?! Você vai se arrepender disso sua escrota. Abra essa porta agora ou eu vou colocar ela abaixo!

            O que fazer? Ela não queria causar problema algum. Caroline pensou que se abrisse a porta teria de arcar com a fúria de Ana Clara e suas seguidoras tenebrosas, porém, se ficasse com a porta trancada sofreria com a ira da garota, que levaria sua atitude como uma afronta e, uma das coisas que Ana Clara mais odiava, era se sentir desafiada e afrontada, para ela, todos deviam obedecê-la e respeitá-la, como se fosse a abelha rainha.

            Em sua crise de desespero e nervosismo trêmulo Caroline não conseguiu se mover. Seu corpo não respondeu a seus comandos e ficou ali, sentada no vaso sanitário da cabine do meio do banheiro da escola.

            - Então é assim que vai ser né? Você vai se arrepender recalcada. Sua hora chegou. – o tom de voz de Ana Clara era tão cheio de ódio e rancor que, por um momento, Caroline sentiu seu coração parar e a respiração falhar.

            Ela ouviu alguns barulhos vindos do lado de fora da cabine, mas não conseguiu distingui-los.

            Os sons que a garota ouvira vinham de Ana Clara e suas seguidoras que, para arrombar a porta da cabine do banheiro, retiraram o extintor de incêndio que ficava ao lado do espelho (quebrando o canto direito do espelho, fazendo tilintar no chão fragmentos de vidro que refletiam toda aquela barbárie e insanidade) e, em estocadas firmes e fortes, começaram a bater na porta.

            Ana Clara ficou ao fundo, deixando que as outras garotas acertassem o extintor e proferissem chutes na porta, a fim de arrombá-la.

            Depois de alguns minutos a porta caiu com força, para dentro, acertando Caroline em cheio no centro testa. A garota ficou tonta e com a visão meio embaçada. As meninas malvadas aproximaram-se com ódio no olhar.

            - Tragam essa imunda até aqui! – ordenou Ana Clara com ares de bruxa maligna.

            As garotas puxaram os longos cabelos loiros de Caroline, derrubando-a do vaso sanitário e arrastando-a pelo chão, algumas davam chutes e outras cuspiam enquanto ela foi largada sob os pés de Ana Clara.

            - Aninha, por favor, nós éramos amigas quando pequenas. Por que você faz isso comigo agora? – suplicou a loira.

            - Não me venha com essa de Aninha sua estúpida! Cale a boca! Nunca fui sua amiga! Eu te odeio, te odeio! – Ana Clara gritava loucamente, suas companheiras incitavam-na, adorando ver e ouvir as ofensas que ela desferia para a pobre Caroline.

             A menina, jogada no chão sujo do banheiro, molhada de suor e lágrimas, tremendo e soluçando descontroladamente, com marcas de chutes e cuspe no corpo, resolveu não resistir. Elas eram muitas e não havia nada que pudesse fazer para sair daquela situação. Ninguém viria ajudá-la, ela merecia aquilo.

            Uma das garotas segurou Caroline pelo cabelo, enquanto Ana Clara cortava-o, deixando-o pelos ombros, todo falhado, com fios longos e embaraçado. Outra das meninas malvadas pegou o algodão que guardava na bolsa para retirar esmaltes e maquiagem e enfiou no nariz, ouvidos e boca da pobre garota loira.

            Arrastaram-na mais uma vez, até estarem de volta à cabine do meio do banheiro. Enfiaram a cabeça de Caroline no vaso sanitário. A garota engasgava-se com aquela água suja e cheia de bactérias quando, de repente, todas foram surpreendidas por uma voz vindo da porta do banheiro:

            - Mas o que é isso? O que vocês estão fazendo? Soltem essa garota, imediatamente! – era a coordenadora da escola, Dona Verônica, que empurrou as garotas e retirou a cabeça de Caroline de dentro do vaso. As meninas fugiram correndo, sem olhar para trás.


            Nos dias seguintes Caroline não foi mais vista.

Dona Verônica, que chegou ao banheiro no momento em que as meninas malvadas mergulhavam a cabeça de Carol no vaso sanitário, foi encontrada morta em sua casa, sufocada no banheiro.

Na semana seguinte ao ataque, Ana Clara, a abelha rainha da maldade, entrou no banheiro após a aula de educação física a fim de se refrescar. Vale ressaltar que a menina seguiu com sua vida como se nada tivesse acontecido. Quando foi até o espelho para retocar o batom, ela ouviu um grito histérico. Olhando para o reflexo no espelho deixou o batom cair e se partir no chão, arregalou os olhos e não pode acreditar no que via. Atrás de si estava uma loira, com tufos de algodão dentro do nariz e da boca, com olhos inchados e escuros e uma cabeleira desgrenhada.

O espírito (ou seria um fantasma?) aproximou-se de Ana Clara, abriu a boca, mas, não falou nada. De seus olhos escorriam lágrimas de sangue. Sua presença fez os pelos do corpo de Ana se arrepiarem. Feito uma criança pequena ela molhou as calças. Buscou forças no fundo de seu interior e conseguiu sair dali aos tropeções. Deste dia em diante, nunca mais abriu a boca para ofender ou denegrir ninguém.

Conta à lenda que Caroline não resistiu àquele dia de ataques e ofensas, e acabou se suicidando no banheiro. Alguns dizem que, até hoje, é possível ver o espírito da pobre garota loira de nome Caroline.

Para todos aqueles que matam aula e todos aqueles que ofendem e destratam os colegas, Caroline aparece feito um espírito vagante, com algodão no nariz e na boca, ela segue buscando companheiras para serem suas amigas no além e curtirem o recreio dentro da cabine do meio do banheiro.

Se você quiser vê-la, pegue um batom e encare o espelho sem piscar, por três minutos. Ou então, sente-se no vaso sanitário da cabine do meio do banheiro e diga:

- Caroline, Caroline, Caroline, antes que a aula termine, que o terror me domine e a escuridão ilumine, quero que você me confine!

Dizem que ela aparece na hora. Mas, para ter certeza, você precisa tentar...