Este memorial foi escrito no ano de 2012, quando cursava o 2º período do curso de Pedagogia nas Faculdades Integradas de Aracruz - FAACZ. Esta atividade foi proposta pela excepcional professora Rita de Cássia Mitleg Kulnig que, nesta ocasião, lecionava a disciplina de Pesquisa e Prática de Ensino I.
Meu nome é Helder Guastti da Silva, nasci em João
Neiva, Espírito Santo, enquanto esta ainda era distrito de Ibiraçú. Sou filho
de Rogéria Guastti.
Ingressei na creche, onde minha mãe era diretora,
praticamente desde que nasci (a creche fica em frente a minha casa). Mas só fui
matriculado aos três anos de idade, em 1990. Chorava todos os dias, apesar de
gostar muito daquele ambiente. Eu queria ficar na sala da diretora com minha
mãe, eu não queria ficar na sala de aula com a professora.
Quando completou 3 meses que eu estava matriculado e
resistindo a ficar na sala e ainda chorando muito, na hora do lanche minha mãe
falou que tinha um recado para dar e disse que aquele era o último dia em que
eu iria para a creche, que agora eu só ficaria em casa pois eu só ia ali para
chorar.
No outro dia, bem cedo, ainda escuro, minha mãe ouviu
um barulho de gaveta abrindo e lá estava eu, procurando um uniforme para ir
para a creche.
Os momentos passados na creche foram muito
importantes, estabeleci algumas relações ali que trago em minha vida até hoje.
Uma memória desse período que é bem “viva” em minha
mente é a de que havia uma professora na Creche que era muito “bruta” com as
crianças, ignorante e não tratava a todos da mesma maneira. Lembro-me de, na hora do jantar, jogarmos a
beterraba debaixo da mesa, pois ela queria obrigar todos a comerem, não
respeitando aquelas crianças que não gostavam de beterraba.
Muita coisa do período em que vivi na creche eu
“absorvi” e trago na minha vida profissional hoje. Éramos muito amados e
tratados com uma afetividade constante. Lembro-me bem das datas comemorativas
na creche, eram todas “celebradas”.
O carinho e amor que recebi na Creche serviram de exemplo para minha prática como profissional, busco sempre entender minhas crianças, respeitando seus limites próprios e suas singularidades, para assim poder realizar um trabalho “melhor”.
Aos 5 anos eu já lia e escrevia tudo.
Aos 6 anos fui para o Barão de Monjardim e minha
professora na primeira série foi Tia Célia, ela dava “cartõezinhos” para os
“melhores alunos” (aqueles que desenvolviam todas as tarefas, bom
comportamento, etc.) eu recebia todos os cartões.
Meu período escolar “favorito” foi o ensino
fundamental, em que passei na EMEF “Barão de Monjardim”. Eu era uma criança
tímida, mas sempre participava de teatros e apresentações diversas. O lado
cultural era muito valorizado na Escola, sempre havia apresentações envolvendo
os alunos e valorizando a integração dos alunos com todo o corpo escolar.
Os professores que tive no “Barão de Monjardim” foram
maravilhosos! Contribuíram muito para eu tornar-me quem sou hoje. Até hoje
chamo minhas antigas professoras de “Tia”.
Minhas professoras no “Barão de Monjardim” foram: Tia
Célia na primeira série, Tia Rita Velasco na segunda série, Tia Rita dos Santos
na terceira série e Tia Carla (que também é minha madrinha) na quarta série. A
diretora era Alice Helena Barroso.
Uma lembrança muito marcante que tenho da minha
quarta série foi que, quando estávamos estudando o sistema respiratório, Tia
Carla levou um pulmão de boi para a Escola para observarmos o sistema
circulatório. Fiquei fascinado! As aulas eram sempre muito interessantes, as
professoras buscavam meios diferentes e muito interessantes de fazerem os
alunos ficarem cada vez mais motivados a estudar. Não eram aulas monótonas e
sempre havia a interação entre professor/aluno, algo que contribui muito para o
desenvolvimento em sala de aula.
A Escola realizou uma gincana onde foram envolvidas
todas as turmas. As turmas eram divididas em equipes mistas e havia muitas
atividades e brincadeiras que envolviam toda Escola; o que promoveu uma
interação maior entre os alunos de diversas turmas e professoras. Lembro-me que
numa dessas gincanas o nome da minha equipe era “Amarelinha” (que por sinal
ajudei a escolher) e eu ganhei como “barão” da gincana (uma daquelas atividades
onde os alunos e pais vendem algumas “cartelinhas” de votos e o aluno que
vender mais “votos” ganha).
A passagem da quarta série para a quinta série foi um
pouco “chocante” para mim. A escola onde se estudava da 5ª a 8ª série era muito
grande e bastante diferente do Barão de Monjardim.
A escola chamava-se “Escola de Primeiro Grau João
Neiva”. Sinceramente eu não aproveitei em nada meu período nessa escola. Os
professores não eram bons. O ensino era muito fraco. Confesso que não me
recordo o nome de muitos professores deste período, nem o da diretora.
Lembro-me da coordenadora, ela era daquelas que acreditava que para se ter
respeito por parte das crianças era preciso fazer com que elas temessem-na. Ela
tratava todos aos gritos e era muito autoritária.
Minhas matérias favoritas eram Português e Inglês. Eu
sempre fui um aluno muito dedicado, cobrando muito de mim mesmo.
Minha mãe também é professora, e tiveram alguns
momentos em nossa vida em que ela precisou trabalhar três horários (matutino,
vespertino e noturno) para nos manter. Eu ficava em casa sozinho e sempre
realizei minhas tarefas de casa e trabalhos da melhor maneira que encontrava.
Eu acreditava que para “compensar” todo o trabalho de mamãe eu precisava fazer
minha parte também, então eu sempre busquei conseguir um bom aproveitamento das
aulas e tirar notas boas, porque eu sabia que era o “mínimo” que eu podia
fazer.
Sempre gostei muito de ler e vivia indo à biblioteca
municipal.
Durante esse período eu “trabalhava” com uma turma de
catequese para crianças de sete e oito anos de minha comunidade.
Ao terminar a oitava série eu fiz a prova para
ingressar no CEFET. Sinceramente eu não tinha desejo algum de estudar lá, mas
era um “sonho” de minha mãe, por isso o fiz. Fiquei na suplência e, após
estudar uma semana na EEEFM João Neiva, fui chamado para ingressar no CEFET.
Mais uma vez passei por uma mudança brusca. A
realidade era muito diferente daquilo que eu estava acostumado. O ensino que
recebi no período até a oitava série foi meio que insuficiente para os padrões
do CEFET. O ensino recebido por mim durante o ensino fundamental dois foi
precário, não deu muita base para que eu pudesse me desenvolver de uma forma
consistente no futuro.
O período no CEFET foi turbulento. Uma avalanche de
informações, conteúdos, uma nova realidade que era difícil de acompanhar. Tinha
de dedicar-me todo o tempo à Escola. Muitas vezes ia às sete da manhã para
Colatina (onde a escola estava situada) e voltada às sete da noite. Era tudo
muito intenso, muito complicado.
Mas esse período ao mesmo tempo em que foi ruim, foi
bom. Conheci pessoas maravilhosas e aprendi muitas coisas que me ajudaram na
minha vida pós-CEFET. Questões de normalização técnica, como realizar um bom
trabalho científico, melhor aproveitamento do tempo de estudo, disciplina e
dedicação, foram algumas das coisas que aprendi no CEFET e trago em minha vida
até hoje.
Foi durante esse período que eu tive aquele que
considero meu “melhor” professor, seu nome é Alaércio e ele deu aula de
Filosofia para mim enquanto eu cursava o primeiro ano. A forma como ele
ministrava suas aulas era diferente de tudo o que eu conhecia. Ele nos
instigava, fazia-nos querer participar das aulas ativamente, propiciava um
ambiente onde não só ele falava, mas nós como alunos podíamos participar, dando
opiniões, ideias, participando de discussões. Alaércio fazia-nos olhar para nós
mesmos, a fim de nos encontrarmos como seres humanos e refletirmos sobre quem
somos, o que fazemos, como chegamos ao ponto em que estamos, o que almejamos
para o futuro e como deveremos prosseguir para buscar concretizar nossos
sonhos. Suas aulas foram de grande valia para mim. Aprendi muito com sua forma
de trabalhar; um traço marcante que trago hoje em minha forma de agir (não só
no trabalho, mas também em minha vida pessoal) e que aprendi com ele foi que,
algumas vezes, por mais que sintamos que não temos nada a oferecer ao próximo,
podemos sempre “oferecer” nossos ouvidos e nosso ombro aos amigos.
Estudei o primeiro ano e, quando estava na metade do
ano durante meu segundo ano, eu decidi que seria melhor para mim se eu saísse
da escola. Foi uma decisão muito difícil porque eu sentia que estava
‘desapontando’ minha mãe ao tomar essa atitude, mas infelizmente não tinha como
continuar.
Entrei na EEEFM João Neiva no meio do ano. A
diferença do ensino nessa escola em relação ao que eu estava vendo no CEFET era
enorme. Algumas coisas que estavam começando a aprender no segundo ano eu já
havia aprendido no primeiro ano no CEFET.
O período que passei na EEEFM João Neiva foi
agradável, reencontrei alguns amigos de infância que há muito tempo eu tinha
perdido o contato e não via mais.
Meu período do segundo ao terceiro ano foi marcado
por muitas mudanças em minha vida. Eu estava passando por uma fase de
redescobrimento. Passei muito tempo sem expressar meus pensamentos, me
reprimindo em função da felicidade alheia. Chegou um momento em que eu não
aguentava mais não “ter uma identidade própria”, portanto eu decidi que estava
na hora de expor meus pensamentos, expressar-me sem repressões (a grande
questão que mais me incomodava é que eu mesmo reprimia meus pensamentos).
Meu comportamento mudou um pouco na escola. Confesso
que “matei” muitas aulas, conversava demais, mas nunca deixei minhas notas
caírem, nem diminuí meu rendimento.
No período de Ensino Médio uma das “coisas” que mais
gostei de estudar foi a mitologia grega. Porém minhas matérias favoritas eram
Língua Portuguesa, Geografia e Inglês.
Uma lembrança muito marcante durante este período foi
um “deslize” absurdo que a minha professora de língua portuguesa cometeu
durante uma aula, estávamos fazendo uma atividade em que era citado o museu do
Louvre, uma aluna questionou a professora perguntando o que era Louvre e a
professora simplesmente respondeu: “Louvre é uma boutique que fica em Paris”.
Lembro-me da professora de Inglês, Geovana, que,
apesar do “descaso” e falta de interesse por grande parte dos alunos,
dedicava-se e buscava sempre trazer formas diferentes de dar a sua aula.
Recordo-me de quando ela nos dividiu em grupo e pediu que ensaiássemos uma
música e a apresentássemos para a turma; esta foi uma atividade muito
interessante porque ela nos incentivou e motivou-nos a fazer um bom trabalho
visando, além de uma boa apresentação, uma “maior” aprendizagem. Situações,
atividades e dinâmicas diferentes (que fogem à rotina diária) fazem com que
sintamo-nos mais empolgados, mais determinados em realizá-las; é o que se faz
necessário hoje: saber utilizar formas, métodos e instrumentos capazes de fazer
da Escola um ambiente mais “atrativo” aos olhos dos alunos.
Neste período eu vivia em conflito constante com a
diretora da Escola. Ela havia sido minha diretora no “Barão de Monjardim”, era
muito amiga da minha mãe e dizia-se estar preocupada com o meu bem-estar, porém
estava julgando meu modo de vestir e agir com completa tirania. Ela não
aceitava o fato de eu ser diferente; eu não era muito convencional e isso fazia
com que as pessoas olhassem para mim com um olhar meio “desconfiado”. A
diretora tentou me reprimir, mas eu me impus e tentei mostra-la que não há mal
algum em ser diferente, não é o modo como você se veste que vai definir seu
caráter. Um grande defeito dos professores é querer fazer de seus alunos seres
“homogêneos”; ao invés de abraçarem as diferenças e fazer das singularidades e
características próprias de seus alunos aliadas ao desenvolvimento do processo
de ensino-aprendizagem.
Durante meu terceiro ano no ensino médio eu pensava
em trabalhar com moda ou jornalismo. Cheguei a prestar vestibular para Design
de Moda na UVV, mas, por algumas “ironias do destino”, não cheguei a ingressar
no curso.
Após terminar o ensino médio eu não estava certo
sobre o que eu gostaria de fazer em relação a meu futuro. Não tinha me decidido
ainda quanto a uma profissão.
No ano de 2008 ocorreu uma mudança drástica em minha
vida [...] Comecei a trabalhar como professor de informática na EMEF “Barão de
Monjardim” (onde estudei da 1ª à 4ª série). O dia-a-dia na Escola, o contato
com as crianças, tudo foi fazendo com que eu me apaixonasse. Identifiquei-me
muito e passei a ver aquela realidade, a realidade escolar, como parte de mim.
Encontrei na Escola e no trabalho com crianças a “motivação” que eu precisava
em minha vida. Sempre senti uma “urgência” dentro de mim, uma necessidade que
nunca conseguia suprir, um vazio que nunca conseguia preencher e, após o
trabalho com as crianças, fui percebendo que me sentia mais feliz e completo
quando estava envolvido com elas. Descobri aquilo que alguns chamam de “dom” ou
vocação.
Decidi, então, cursar Pedagogia. Porém, ingressei
numa faculdade de ensino à distância. Uma das maiores “furadas” de minha vida.
Tínhamos uma aula presencial por semana, mas nessas aulas não acontecia nada,
no começo eram passadas algumas “vídeo-aulas”, mas, após mais ou menos um mês
de aula, íamos apenas para conversar.
Decidi abandonar a faculdade à distância e resolvi
cursar Pedagogia presencialmente.
Hoje eu posso afirmar que não sei viver sem meus
pequenos. São eles que me motivam a crescer, a ir cada vez mais em frente.
Busco aprimorar-me e melhorar não só por mim, mas também por eles. Eu quero
sempre dar o meu melhor; ajudá-los a enxergar o mundo com outros olhos, ampliar
sua visão de mundo. Mostrá-los que o futuro pode ser o que eles quiserem que seja
e a realização de seus sonhos depende do seu esforço.
Procuro mostrar às crianças que através da Educação
eles conseguirão alcançar tudo aquilo que desejam. Tento fazer da Escola um
ambiente atrativo a seus olhos, para que eles sintam-se motivados a frequentá-la,
não apenas porque são “obrigados” a ir, mas também por terem vontade,
necessidade e desejo de aprender, de mudar, de crescer.
Procuro “passar” às crianças o mesmo amor que eu
sentia (e ainda sinto!) em estudar, o mesmo prazer. Faço o meu trabalho com
muito amor e dedicação e procuro, por meio dele, criar uma relação entre as
crianças e a Escola; respeitando as individualidades, conhecimentos prévios das
crianças, suas visões de mundo e suas relações com o meio social em que vivem,
essa relação dar-se-á de maneira mais dinâmica e prazerosa.
Estou amando o curso de Pedagogia; o processo de
transmissão/assimilação de conhecimentos é intenso. Sinto que, após terminá-lo,
terei uma base sólida de conhecimentos para utilizar na minha carreira como profissional
da educação.
A escrita deste memorial reavivou muitas memórias,
muitas lembranças que há muito tempo eu não parava para pensar. Ao olhar para o
passado, “reviver” toda minha trajetória escolar, pude perceber que tudo o que
vivi durante meu período escolar acarretou na minha tomada de decisão pelo
curso de Pedagogia. Direta ou indiretamente consigo ver em mim hoje todo o meu
percurso escolar e as influências daqueles que passaram em meu caminho.
“O professor que tivemos reaparece no professor que somos”.
As influências dos meus professores
estão presentes em mim. Têm aqueles que eu penso “de jeito nenhum farei como
ele!” e têm aqueles, é claro, que são exemplos a serem seguidos. De uma forma
ou de outra, negativa ou positivamente somo influenciados pelos nossos
professores. E eu, hoje, procuro analisar-me constantemente para saber como e
até que ponto eu influencio meus pequenos; reflito sobre minha prática, sobre
minhas atitudes e falas, avalio-me, pois, querendo ou não, nós, professores,
somos os “modelos”, os “exemplos” que os alunos têm no seu dia-a-dia. Devemos
estar conscientes da importância de nosso papel para a vida do aluno.
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